Em parte já é uma realidade, mas muito ainda precisa ser feito. O padre Giovanni Mometti, de 85 anos, não desiste e relança o projeto “Novo Moisés”, para o cultivo de arroz e criação de peixes e suínos no Brasil, que já envolve quase três mil famílias, mas se for ampliado, “sem cortar uma árvore, poderá fazer da Amazônia o celeiro dos pobres”.
Cecilia Seppia – Vatican News
“Padre Gianni é louco, mas a dele é uma loucura que vem diretamente de Deus.” Foi assim que o Papa Francisco descreveu o pe. Giovanni Mometti durante a homilia da missa celebrada na Casa Santa Marta, em 7 de janeiro de 2019, na qual o salesiano concelebrou junto com o Pontífice. “O Espírito às vezes nos impulsiona às grandes loucuras de Deus, como aconteceu com o homem que está entre vocês hoje, e que há mais de 60 anos deixou a Itália para estar com os leprosos”, disse o Papa. Natural de Brescia, missionário na Amazônia desde 1956, padre Gianni formou-se em Filosofia e Teologia em São Paulo, Brasil, onde dez anos depois foi ordenado sacerdote. Logo depois, apesar de ter sido designado por seus superiores para a Universidade Gregoriana, ele sentiu que tinha que ouvir a voz que insistia em seu coração e ouvidos: ir para aquele mundo sofredor formado de pobreza, fome e doença para levar o anúncio do Evangelho, não apenas em palavras. Descalço, como a maioria dos ribeirinhos (as populações que vivem ao longo do Rio Amazonas), de mãos vazias, mas ansiosas para ajudar, hoje com 85 anos, padre João, como é chamado pelo seu povo, vive e trabalha em Igarapé-Açu, no Estado do Pará, na Amazônia brasileira, e ao Vatican News ele relança o projeto “Novo Moisés” do qual foi um dos primeiros apoiadores.
Origens e características do projeto
“Não é um nome escolhido por acaso”, me disse o padre Gianni numa chamada de vídeo feita às 23h, horário italiano, “porque toma o nome de um fato bíblico e como Moisés por vontade de Deus foi salvo das águas do Nilo, assim nós queremos que nosso rio possa salvar, com a riqueza e abundância de suas águas, todas as populações que vivem ao longo de seu curso”. O coração do projeto, ativo desde 1989 nas regiões Bragantina e Salgado do Estado do Pará e que já alimenta cerca de 3 mil famílias, é o módulo “Vibra João XXIII” que confia a cada unidade familiar 5 hectares em concessão do Estado. Um deles é transformado numa lagoa artificial, no qual se obtém uma planície para o cultivo de arroz, com uma média de três colheitas por ano. Ao redor da planície há um canal para a criação de cerca de dez mil alevinos, peixes que pesam até 2 quilos, e nas margens da lagoa se constrói um chiqueiro, que não polui a água da lagoa, mas alimenta os peixes com plâncton. Nos outros quatro hectares, a família cultiva alimentos para si mesma, e para a manutenção dos suínos. “Esses lagos – continua padre Giovanni – resolvem o problema do desmatamento que está destruindo a Amazônia. Quanto mais lagoas forem construídas, mais pessoas não precisarão cortar árvores para cultivar a terra. Então meu sonho é justamente este: fazer com que as terras banhadas pelo Rio Amazonas e seus afluentes, que são as mais férteis do mundo, se tornem o ‘celeiro dos pobres’, a fim de alimentar aqueles que vivem na região, mas não só. E isso sem cortar uma única planta da floresta que nos dá um terço de todo o oxigênio que respiramos”.
“A multiplicação dos pães e peixes”
O missionário salesiano cita Francisco várias vezes, a Encíclica Laudato si’, a Exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia e adverte: “O maior pecado que podemos cometer é o de não fazer o melhor uso dos dons que Deus nos deu! E Deus nos deu tudo. Este não é apenas um projeto para nós, podemos replicá-lo na África, na Ásia, onde quer que haja água. Estamos dispostos a formar os jovens, hospedá-los e ensiná-los a não morrer de fome. Aqui nós realmente experimentamos a passagem do Evangelho da ‘Multiplicação dos Pães e Peixes’. Na Laudato si’, o Papa também diz: sem a Amazônia, o mundo morre, a Amazônia é a vida para todos, não só para os nativos. No centro da encíclica estão os frágeis, os pobres, os últimos e certamente não se cuida deles ou do ambiente, destruindo hectares e hectares de floresta para criar gado. Temos que produzir o que a água nos dá, por isso trabalhamos apenas onde não há plantas e assim garantimos a manutenção da biodiversidade. Existem 300 milhões de hectares de terra disponíveis para realizar todos os pontos do nosso projeto. Mas tudo ainda está parado por falta dinheiro: quando eu fui assessor da Amazônia pensamos numa espécie de taxa, uma ‘dívida vital’ que todos devemos pagar para nos garantir os 30-40% de oxigênio que a Amazônia nos dá todos os dias”.
Um círculo virtuoso
Quando fala sobre seu povo, a voz de padre Gianni “vibra”. “Temos contato direto com todos, mas não é assistencialismo, fazemos isso por missão, para organizá-los, guiá-los, porque todos podem contribuir. Pelas ruas todo mundo me pede: ‘Padre Gianni, vem até nós para nos ensinar como construir lagoas’! As pessoas entendem a importância e o objetivo dessa iniciativa que oferece um futuro para elas e suas famílias. A maior dificuldade é esta: não poder dar o que elas pedem. São necessários fundos para comprar ração, equipamentos. As pessoas não têm nada e começam a cavar com as mãos e o que fazemos? Ficamos parados olhando? O projeto Novo Moisés pode salvar com a força das pessoas os índios e os pobres da Amazônia, com sua capacidade, com sua cultura, não ensinando-lhes nada de novo, apenas orientando-os”. Na prática, o Novo Moisés não faz nada além de criar um ciclo ecológico de produção de alimentos completamente orgânicos, uma alternativa à destruição da floresta amazônica (mais de 40 milhões de plantas já foram destruídas), porque, como explica o padre Gianni, “cada cabeça de gado precisa de um hectare de pastagem, que hoje é retirado da floresta. Essa cabeça de gado rende 300 quilos de carne por ano. O nosso projeto com um hectare de terra, sem cortar uma árvore, nos dá de 40 a 60 toneladas de alimentos. Além disso, nenhum fertilizante químico é usado para produzir arroz, pois o excremento de suínos além de se tornar plâncton para peixes, também fertiliza a planície de arroz; por fim, a água contida nas lagoas pode ser despejada nos campos próximos, fertilizando-os e melhorando assim a produção agrícola dos pequenos agricultores”. Portanto, um círculo mais do que virtuoso, que realiza aquela ecologia integral da qual o Papa Francisco fala na sua Laudato si’, sobretudo porque envolve o ser humano não como um carrasco do meio ambiente, mas como um guardião.
O apelo
“A Conferência Episcopal Italiana – recorda por fim o missionário bresciano – em 1989 nos doou 200 milhões de liras, e com esse dinheiro iniciamos o projeto. Para realizá-lo eu me endividei completamente. As terras são estatais: o governo dá a terra em concessão por 99 anos e depois outros 99: mas se não tomarmos cuidado, quem tem dinheiro pode chegar antes de nós e fazer coisas que destroem a Criação e o ser humano. Hoje, quero renovar o apelo pelo apoio financeiro aos cristãos de todo o mundo, mas também às instituições internacionais, e a todas as pessoas de boa vontade, porque todos temos uma dívida com a Amazônia. A Amazônia pode realmente salvar o mundo: mantendo oxigênio e alimentando a todos.”
Fonte: Vatican News