Iquitos, Peru. Setembro de 2024. No dia 25 de setembro de 2024, moradores dos assentamentos humanos Iván Vásquez Valera e 21 de setembro, localizados no distrito de Punchana (periferia de Iquitos, Loreto), saíram às ruas para exigir o cumprimento de uma sentença que salvaguarda seu direito a uma vida digna. Mais de 2500 pessoas (incluindo crianças e adultos) lutavam por um direito básico: água potável.
Por Equipe de Comunicação REPAM
Iván Vásquez Valera e 21 de setembro são áreas gravemente afetadas pela contaminação de um esgoto a céu aberto que recolhe os resíduos de um matadouro municipal, uma estação de gasolina e um hospital próximo; o cenário é propício para o surgimento de sérios problemas sanitários e ambientais. Do canal emana um odor intenso e na água podem ser notados restos de fezes e outros elementos extremamente perigosos para a saúde.
Na época das chuvas, o nível da água sobe e, diante do esquecimento das autoridades, os vizinhos promovem a adequação de pequenos muros com sacos de terra, ou defesas ribeirinhas, para que suas casas não sejam inundadas. A situação é grave, pois as encostas do canal estão repletas de lixo; os resíduos sólidos se acumulam ou simplesmente flutuam sobre o Amazonas. Nenhuma entidade se responsabiliza e, se somarmos a isso a falta de consciência sobre o manejo de resíduos, que persiste em várias áreas urbanas da Amazônia, é normal visualizar um panorama com poucas garantias para proteger a vida e a dignidade dos que habitam e habitarão esse território.
Em 25 de julho de 2023, o Tribunal Constitucional do Peru emitiu a sentença 322-2023, que obriga as autoridades locais a garantir o fornecimento de água potável e outros serviços essenciais (manejo adequado de resíduos) nos assentamentos já mencionados, com o objetivo de gerar condições de salubridade e de vida digna. No entanto, um ano após a sentença, os habitantes ainda enfrentam uma realidade alarmante. Embora uma cisterna de água chegue uma vez por semana, o fornecimento é insuficiente.
“Não é suficiente para todos, e a água não é de qualidade; tivemos surtos de doenças”, comentou Nena Asteres, residente da área, explicando que entre os principais problemas de saúde estão diarreias, febre, marcas na pele e parasitas; tudo decorrente do consumo de água em mau estado.
Uma saúde vulnerada
A saúde é considerada um direito fundamental; no entanto, para as pessoas que vivem nos assentamentos humanos de Iván Vásquez Valera e 21 de setembro, tornou-se uma realidade difícil de alcançar. Na área, não apenas sofrem pela falta de acesso à água potável, mas, além disso, os moradores estão submetidos a viver entre o odor e as consequências da acumulação de lixo e resíduos orgânicos no local. O livro “Resíduos tóxicos na Amazônia peruana” ressalta que:
“A situação de insalubridade pela falta de água afeta diretamente a educação dos habitantes dos assentamentos humanos, que não contam com um serviço adequado de água, obrigando os pais a pagar para que seus filhos possam dispor desse recurso básico. Essa falta de acesso à água, um direito fundamental, também negou outros direitos essenciais como a saúde, a educação e uma vida digna. Os residentes lutam há sete anos por melhorias, e embora tenham ganho a sentença há um ano, ainda esperam soluções concretas.”
Um bom número de famílias da região apresenta doenças presumivelmente relacionadas à contaminação da água. Os sintomas mais destacados são diarreia, vômito, dores de cabeça e problemas de pele, tanto em crianças quanto em adultos; esse tipo de condição é evidente principalmente entre as famílias que vivem ao lado do canal. Assim, são frequentes os problemas respiratórios, dengue, hepatite, infestação de parasitas e todo tipo de problemas digestivos e urinários. A abundante presença de urubus, roedores, baratas, mosquitos e moscas é constante nos assentamentos. A isso se soma a proliferação de vetores que provocam diversas doenças como dengue, malária e leptospirose.
Uma realidade inconstitucional
Em agosto de 2023, o Tribunal Constitucional ordenou a suspensão do despejo de resíduos orgânicos no sistema de esgoto municipal que deságua no esgoto a céu aberto localizado nesses assentamentos. Além disso, determinou a coleta de resíduos sólidos por meio de um sistema que evite a acumulação dos mesmos nas ruas, o fechamento do esgoto que vem do EsSalud, a construção de rampas que evitem o transbordamento das águas residuais para as casas e um sistema de água potável.
A situação atual em ambos os assentamentos humanos está muito distante de tudo isso. Os vizinhos não se rendem em uma batalha legal que começou em 2016, com uma ação de amparo apresentada pelas associações de moradores dos assentamentos e patrocinada pelo Instituto de Defesa Legal (IDL) e pelo Vicariato de Iquitos. Oito anos depois, a indignação e a desesperança aumentam.
Nova audiência judicial
No dia 25 de setembro de 2024, ocorreu uma audiência de cumprimento na cidade de Iquitos. Ali, os habitantes de Iván Vásquez Valera e 21 de setembro expuseram sua situação e demonstraram que as autoridades não implementaram as soluções ordenadas. Durante a audiência, o juiz determinou que devem ser fornecidas quatro cisternas de água diárias, além de melhorar a coleta de lixo (outro serviço praticamente inexistente que forçou a comunidade a conviver entre resíduos). Embora os moradores tenham celebrado a decisão, muitos temem que a implementação continue lenta e insuficiente.
O caso de ambos os assentamentos não é isolado, mas reflete uma realidade que afeta muitas comunidades amazônicas, onde o acesso à água potável continua sendo uma dívida histórica. As comunidades amazônicas, como guardiãs da Panamazônia, seguem resistindo ao abandono e exigindo que seus direitos sejam respeitados. Não se trata apenas do acesso à água, mas da defesa da própria vida, da dignidade e do futuro desses territórios. A luta de Iván Vásquez Valera e 21 de setembro é uma luta por justiça e respeito aos direitos humanos na Amazônia.
Nesse contexto, é essencial refletir sobre o papel que os estados e as organizações desempenham na proteção dos direitos fundamentais de nossos ecossistemas. Não é possível falar em bem-estar sem garantir o acesso à água, um direito que está intrinsecamente ligado à vida. Essa luta não é apenas dessas comunidades, mas de todos aqueles que reconhecem a interconexão do planeta e a urgência de cuidar dele e de quem nele habita.