Uma década após a semeadura desta semente em Puyo, Equador, não podemos deixar passar esta data sem compartilhar a transcendência daquele acontecimento que deu origem à rede eclesial mais importante na defesa da natureza, da Amazônia e dos direitos dos povos que nela vivem.
Por *Mons. Rafael Cob
Às vezes há fatos históricos que podem passar despercebidos. Mas algum tempo depois eles adquirem uma transcendência que atravessa fronteiras, e não imaginamos a força e o impacto que eles têm para o bem da humanidade. Um desses eventos foi esse que celebramos em Puyo.
Foi a 24 de abril de 2013, quando a Igreja de Puyo, através da ação da Cáritas Equador, convocou uma grande Assembleia, com a participação internacional de 12 países e 146 participantes. Foi lá que foi concebida e lançada a semente de uma rede que, após uma “gravidez cuidadosa”, daria origem à Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) em Brasília, no dia 14 de setembro de 2014.
Como grão de mostarda na Amazônia
O texto de lançamento da semente da rede em Puyo dizia: “Como Igreja, queremos continuar anunciando o Deus Criador e Salvador, garantia da vida de todos os povos, que abençoa os construtores da paz neste complexo contexto amazônico. Esperamos que esta ação de coordenação, que começa a florescer no Equador, acompanhada por agentes pastorais de outros países irmãos, possa se articular em uma rede eclesial pan-amazônica que, pouco a pouco, busque sua própria linguagem e seja capaz de definir propostas alternativas aos modelos atuais de desenvolvimento na América Latina, baseados na inspiração evangélica”.
E essa semente, como grão de mostarda, se converteria numa árvore forte e frondosa, para abrigar e abrigar os sonhos de tantos irmãos e irmãs que lutam pela justiça e semeiam esperança e paz na Pan-Amazônia.
O trabalho de escuta nos territórios logo se transformaria na tecelagem dessa rede, articulando os testemunhos e mensagens de seus habitantes, dos anciãos e das mulheres desta selva, onde os rios e as árvores também falam. Onde a sabedoria ancestral se revela nas profundezas do mistério, na simplicidade de uma criança ou na singeleza de uma flor, da flora e fauna, que são a vida destes povos, guardiães deste grande tesouro. Aqui existe uma biodiversidade ecológica que vive em harmonia, ensinando-nos a grande lição da unidade na diversidade, do respeito mútuo e da reciprocidade na generosa doação que vai sendo compartilhada.
A serviço da vida na Amazônia
A Rede se fortaleceu ao longo do tempo em toda a extensão da bacia Pan-Amazônica, tornando-se companheira de caminhada na defesa dos direitos dessa terra e de seus povos desprotegidos, por tanto tempo esquecidos, marginalizados e explorados.
O Papa Francisco lembrou que a Conferência Episcopal Latino-Americana em Aparecida (2007) falou da preocupação com a Amazônia como ponto de referência global e chave para o equilíbrio climático do Planeta. Assim, essa rede passaria a caminhar da periferia até o topo das maiores esferas internacionais, para denunciar diante delas a violação dos direitos humanos nessa terra.
Uma década se passou desde aquela semeadura que levaria, um ano depois, à fundação da REPAM, concebida para ser uma fonte de vida no coração da Igreja. Esta rede foi o braço direito para realizar o Sínodo Amazônico, que ocorreu em Roma em 2019, como uma bênção para a Amazônia e para toda a Igreja.
Louvado sejas, meu Senhor!
Recorremos a Deus, o Criador, para agradecer a Ele pelo que contemplamos na criação e experimentamos nestes dez anos. Por ter tornado visível a realidade que sofrem estes povos e por esta terra cheia de vida exuberante e de sabedoria ancestral que devemos escutar e respeitar.
Como São Francisco, hoje dizemos “Laudato Si, mi Signore” (Louvado sejas, meu Senhor)! E viva a REPAM! Hoje voltamos às suas raízes, voltamos como os discípulos à Galileia, onde tudo começou, naquele chamado de Jesus aos apóstolos: Sigam-me! Hoje Ele também nos chama para cuidarmos de sua criação e para sermos uma Igreja em saída.
Puyo se tornou numa tocha, desde a periferia, para se tornar uma luz central. Esta luz não se apagará enquanto esta Rede continuar a ser o fogo que ilumina e aquece o coração inquieto que desperta o amor e a esperança com espírito maternal para nossa humanidade tão necessitada.
*Mons. Rafael Cob, bispo de Puyo, é presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).
Traduzido pelo Ir. Hugo Bruno Mombach, FSC