Em 1923 as Filhas de Maria Auxiliadora chegavam em São Gabriel da Cachoeira, iniciando assim sua missão no Amazonas. 100 anos depois, sua atual superiora, a Ir. Carmelita Conceição vive esta data como momento de memória, de celebrar a vida e a missão que aquelas irmãs começaram.
Por Luis Miguel Modino
Mas também é tempo de, inspiradas naquelas pioneiras, tentar dar uma resposta para o hoje. Depois de 100 anos a missão mudou, principalmente a mentalidade, passando de colocar o foco na estrutura a colocá-lo na pessoa.
Promover a vida, se unir e se inserir na reflexão da Laudato Si´ e da Querida Amazônia, dos sonhos do Papa Francisco é um desafio para o futuro da Inspetoria Nossa Senhora da Amazônia. A Ir. Carmelita insiste em destacar que “os protagonistas hoje são os indígenas, são as pessoas da região”. Tudo isso com a mesma coragem que se fez presente nas primeiras missionárias, que faça “querer conhecer mais a diversidade cultural ou religiosa e podermos ser aquelas missionárias na versão de hoje, no estilo de hoje, não deixarmos de ser missionárias.
As Filhas de Maria Auxiliadora estão completando 100 anos de missão na Amazônia, o que isso representa para a Inspetoria Nossa Senhora da Amazônia e para a Congregação Salesiana?
É uma data muito importante para todos nós, porque primeiro é a memória, lembrar toda aquela luta das primeiras irmãs, a maneira como optaram por vir, vir para a Amazônia no século passado, e hoje para nós celebrar a vida delas, a missão que elas começaram, mas também revisar esse processo de revisão e de descobrir como agir hoje na Amazônia.
Nós estamos aqui há cem anos, já se passaram várias gerações, várias situações, e na situação de hoje nós temos que tentar dar uma resposta adequada para o hoje. Esse é nosso maior desafio, descobrir o que que nós, como Filhas de Maria Auxiliadora, Salesianas, precisamos ser aqui. Porque hoje nós não pensamos tanto em fazer, construir, nós pensamos em como a gente pode realmente estar, com o povo, entendendo, apoiando, fortalecendo, estando lado a lado.
No início nós pertencíamos à Provincia de São Paulo, que era a única que tinha no Brasil. Elas tinham de lá esse olhar para os lugares onde precisava ter presença e pensaram no Amazonas. Depois vieram muitas irmãs do Nordeste, nossa segunda geração, dentro desses 100 anos, é formada por uma maior parte de irmãs do Nordeste, de Minas Gerais, e algumas irmãs italianas que vinham. E depois elas foram favorecendo para que nós autóctones, entrássemos, participássemos desse dinamismo. É uma celebração que envolve o Brasil todo.
Uma missão que começou com missionárias estrangeiras e que hoje continua com brasileiras, amazônidas, inclusive a senhora é amazonense, em que mudou o trabalho das Filhas de Maria Auxiliadora pelo fato desse surgimento de vocações nativas, inclusive vocações indígenas?
Mudou muito, principalmente a mentalidade. A gente entende que as irmãs que vieram, não eram todas estrangeiras, algumas eram paulistas, mas elas tinham uma mentalidade da época do construir, da estrutura. Para elas a segurança diante do fato de vir para um lugar tão distante era ter uma casa bem construída, casas muito grandes. A missão delas era muito de ajudar o povo, ajudar a aprender a língua, ajudar a estudar, dar condições deles puderem ter autonomia.
Uma Vida Religiosa muito tradicional porque aquele era o estilo. Com o tempo eu acho que as irmãs foram aprendendo e também com esse aumento da presença de irmãs da região, que no início eram pessoas de Manaus, de Belém, de Porto Velho, que não tinham nascido no Rio Negro e iam para lá. Mas também de outras partes de Brasil, houve uma campanha missionária muito forte no Brasil para ir pessoas para lá. A primeira geração era de italianas e aquelas missionárias de São Paulo, depois vieram muitas europeias, italianas, espanholas, alemãs. Depois se formou um grupo de irmãs da Amazônia que foram assumindo a Inspetoria.
Esse assumir das irmãs brasileiras e da Amazônia foi facilitando para a entrada das jovens, inclusive das jovens indígenas. E hoje eu acho que somos mais de 90 por cento brasileiras amazônidas, com algumas nordestinas, mais idosas, ainda daquela geração, e pouquíssimas estrangeira, 4 ou 5 talvez, e toda a coordenação da Inspetoria somos nós que estamos fazendo em todos os níveis.
A senhora fala das salesianas indígenas, cada vez mais numerosas entre as irmãs e as novas vocações. O que as irmãs indígenas aportam à congregação?
É uma contribuição muito interessante, não só para nós, é para o Instituto, porque traz a visão de quem vive no interior da floresta amazônica, que é uma vida um pouco diferente do caboclo, do ribeirinho, do urbano. Todos somos amazônidas, mas modo de vida diferente. E o mais interessante das irmãs indígenas, dessa geração que está aí é a visão, que a estrutura vale muito pouco. O foco é na pessoa, do indígena, do jovem que está ali, e na maneira como pode entrelaçar essa cultura urbana com a cultura indígena, que é uma cultura muito do cuidado, da preservação, da valorização, do espírito, da sintonia com a natureza.
Bem dentro da ideia da Laudato Si´, que é que tudo está interligado, as coisas todas estão envolvidas, elas trazem isso para nós. Porque nós que vivemos em cidade, nós nos acostumamos no quadrado, se não tiver quatro paredes a gente não está segura. Eles não, só um telhado de palha e uma rede e estou bem. Elas nos trazem essa libertação da estrutura, é uma experiência muito interessante, além da diversidade das etnias que traz alguns valores, de um grupo, de outro grupo.
A gente entende que é um desafio muito grande para elas entrar na estrutura, porque aquelas que querem ser irmãs acabam acolhendo esse modo de ser nosso, e para nós ao mesmo tempo ter essa coragem, essa abertura para procurar entender como é a riqueza dessa vida que as famílias delas vivem.
Durante muito tempo a evangelização da Amazônia foi divida por congregações. No Alto Rio Negro, os salesianos e salesianas foram durante muito tempo a única presença. O Sínodo para a Amazônia, onde a senhora foi auditora, insiste muito no trabalho intercongregacional. Como fomentar isso dentro da Congregação Salesiana?
Essa presença intercongregacional na Área do Rio Negro, que foi o local original para nós, ela já existe há alguns anos, nós convivemos com outras congregações. Mas eu acredito que como família Salesiana, nós desejamos a intercongregacionalidade, por causa da riqueza dos carismas. Hoje temos essa experiencia em São Gabriel, onde são 6 congregações, e cada uma dá o seu tom, o seu modo de fazer, sua contribuição, seu olhar.
Porque quando somos só nós, quando é só nós conosco, entre nós, todo mundo olha igual, todo mundo vê a realidade do mesmo jeito, a partir da mesma ótica. A intercongregacionalidade, ela traz esses múltiplos olhares, que vão nos mostrando aquilo que nós não conseguimos perceber através do nosso carisma salesiano, que tem seus avanços, mas tem seus limites também.
De cara ao futuro, quais são os desafios que o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora enfrenta aqui na Amazônia?
Promover a vida, nós temos uma decisão como Capítulo Geral de sermos uma presença que gera vida, uma presença que onde está apoia quem está, dialoga, conhece e encontra junto os caminhos. O grande desafio hoje é nos unirmos e nos inserirmos na reflexão da Laudato Si´ esse nosso trabalho, da Querida Amazônia, os sonhos do Papa Francisco, que é o que a gente tem feito.
Trabalhamos muito o Plano Educativo Global, que é nossa área, é educação, e a gente tem investido muito na formação de professores, de jovens, nessa linha do Pacto Educativo Global, e uma sensibilidade muito grande com relação à dimensão ecológica, à dimensão da valorização cultural, essa parte do concreto do Sínodo. Eu senti da parte das irmãs muita abertura, muita vontade, querem que explique, querem que conte de novo, querem que aprofunde, e a gente vai estudando.
E entendermos que os protagonistas hoje são os indígenas, são as pessoas da região. Como estrutura de Congregação, nós temos que estar abertas a esse protagonismo. E essa sensibilidade vem de lá da Madre Geral, que está na Itália. Ela é a primeira a nos perguntar, as jovens, as irmãs indígenas, as vocações, os leigos comprometidos, a missão, vocês estão conseguindo ir lá onde estão mais longe as pessoas? Tem todos esses desafios aí na nossa agenda.
Depois de 100 anos de caminhada, porque vale a pena ser Filha de Maria Auxiliadora e continuar a missão com os povos indígenas, lá onde tudo começou?
Nós que estamos vivendo esse momento de 100 anos, é uma sensação de que nós somos no nosso espírito, aquelas pioneiras, a gente tem um pouco essa sensação. Se nós estivemos lá, como é que iriamos fazer? Será que nós íamos ter a mesma coragem que elas tiveram, porque elas foram muito corajosas. Hoje em dia, a gente chega em São Gabriel em duas horas de avião, ou mesmo na lancha expresso num dia, elas demoraram 39 dias para chegar.
Para nós o que suscita, primeiro é a coragem, depois estar com o povo para compartilhar a fé e compreender a fé deles também, porque a gente trabalha muito com essa questão da diversidade cultural e nem todos são cristãos, e hoje a gente sabe conviver com isso. Hoje a gente tem essa visão mais aberta, que é o diálogo, que é nós conhecermos, querer conhecer mais a diversidade cultural ou religiosa e podermos ser aquelas missionárias na versão de hoje, no estilo de hoje, não deixarmos de ser missionárias.
Fonte: REPAM