Liderança ameaçada por lutar pelos direitos dos povos Munduruku e os direitos da natureza, Alessandra foi uma voz profética que tocou a todos os participantes do IV Encontro com suas palavras e testemunho.
Por Rosa M.Martins/ Joelma Viana/ Vanessa Xisto
Presidente da Associação indígena Pariri que representa 11 aldeias Munduruku no médio rio Tapajós e vice-coordenadora da Federação dos povos indígenas do Pará, Alessandra Munduruku tem sido uma das vozes do seu povo na luta em favor da demarcação e proteção das terras indígenas. Sua resistência contra o avanço do extrativismo predatório nos territórios indígenas e os projetos de infraestrutura logística e geração de energias que ameaçam as populações na bacia do Tapajós, tem sofrido constantes ameaças.
Casada, mãe de dois filhos, Munduruku já teve sua casa invadida, perseguições nas redes sociais, com sua conta invadida, pedidos para parar as denúncias que vem fazendo.
Convidada para dar o seu depoimento no IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, por ocasião dos 50 anos do Documento de Santarém, Declaração decisiva para entender os caminhos trilhados na região ao longo desse tempo, Alessandra revela as dificuldades para os povos indígenas, ribeirinhos e pescadores por conta da violência incentivada contra os povos.
“É triste ver a realidade do povo! Quando usamos a nossa fala para defender o nosso rio, estamos falando sobre todos que estão sofrendo. O que o garimpo está trazendo para o nosso povo é água contaminada”, garante.
Alessandra enfatizou, ainda que as consequências do garimpo atingem de cheio o cotidiano das pessoas por meio do excesso de mercúrio causado pelo garimpo ilegal. “Vocês não têm ideia do que é ter uma fonte de água e de repente invasores com suas máquinas escavam e já não se tem mais água saudável para beber e cozinhar”.
Aos bispos, presbíteros, religiosas, religiosas, leigos e leigas presentes, Alessandra fez um forte questionamento sobre a forma de evangelizar na Amazônia e especialmente os povos indígenas. “Por que temos que acabar com a fonte que jorra para aquele povo, aquela comunidade? Precisamos pensar muito sobre o que queremos para o povo. Será que é só batismo, casamento ou bem viver do povo que tinha uma água e hoje não tem mais?”, interrogou.
Contaminação, exploração sexual e violência que matam
Numa fala emocionada e emocionante, Alessandra ressaltou ser testemunha ocular, além de ser também ela afetada pelas consequências do garimpo, da mineração e manipulação dos jovens, das crianças e mulheres. “Peixes contaminados, filhos violentados, crianças sem nada para comer porque os garimpeiros expulsaram todo mundo”, disse.
Denunciou os garimpeiros atestando que “as lideranças e os caciques, – corrompidos por eles-, vendem suas filhas e netas e isso é desumano. Crianças de 13,14,15 e até 11 anos são violentadas, o que é muito doloroso para as mães. Elas gritam, mas não são ouvidas. Ninguém dá valor, se faz de cego e surdo”.
Outra consequência das invasões nos territórios Munduruku, são as mortes por contaminação pelo mercúrio. “Perdemos lideranças mulheres e mães e eu sei, sou testemunha que o mercúrio está no sangue dos povos porque foi comprovado por exames e temos médicos que estão sendo ameaçados porque participaram desta pesquisa.
Não tenho medo, não somos bandidos
Como se estivesse mandando um recado e ao mesmo tempo, fazendo uma partilha confidencial à Igreja reunida no IV Encontro, Alessandra disse não temer. “Nós não somos bandidos, estamos defendendo as nossas vidas e nossa floresta. Se quiserem me matar, me matem, mas não ameacem meus filhos e meu povo porque onde eu for vou denunciar, porque vocês são invasores que entram nas nossas terras violentando nossas mulheres, crianças, povos e floresta. Não vamos nos calar”.
As mulheres Yanomami gritam por socorro
Munduruku emocionou a assembleia quando, ao dizer que as mulheres Yanomamis gritam por socorro e que é preciso reafirmar a aliança entre a Igreja e a luta pelos direitos dos povos e da natureza. Tomou Dom Mário Antônio pela mão e disse com firmeza de mulher a caminho. “Essa aliança entre os padres e os povos têm que continuar para defender os povos indígenas, quilombolas, pescadores e todos aqueles que precisam de ajuda”.
Numa atitude de escuta evangélica, Dom Mário se levantou e, com ele, toda a assembleia, como que a dizer ‘sim à vida dos povos e da natureza’.
Fonte: REPAM Brasil