Assembleia Geral do Cimi chega ao fim com missionários e missionárias motivados. Documento final estabelece prioridades de atuação e projeta desafios para o futuro próximo
Por Assessoria de Comunicação do CIMI
Entre os dias 27 e 30 de setembro de 2023, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) realizou a sua XXV Assembleia Geral. Além de místicas, celebrações, rodas de conversa e debates sobre a conjuntura da política indigenista e os desafios para os povos indígenas no próximo período, a Assembleia elegeu a nova diretoria do Cimi, que assumirá a missão de presidir a entidade pelos próximos quatro anos.
Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus e cardeal da Amazônia, foi eleito o novo presidente do Cimi. Os delegados e delegadas da XXV Assembleia Geral da entidade, que encerrou na tarde deste sábado (30), também elegeram a nova vice-presidente, Alcilene Bezerra da Silva, missionária do Regional Nordeste, e o novo secretário executivo, Luis Ventura Fernández, que atuou nos últimos dois anos como secretário adjunto.
Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO) e agora ex-presidente do Cimi, ao relembrar seus oito anos à frente da instituição, agradeceu a todos os missionários, missionárias, funcionários e colaboradores de todos os regionais do Cimi, manifestando apoio à nova diretoria.
“Quero agradecer de coração a todas as pessoas, que no Cimi, doam a sua vida para a causa do Reino de Deus, do Bem viver dos povos, na defesa da vida, dos direitos e terra. É um serviço de amor aos pobres, da terra, por isso, ‘bem aventurados os mansos, porque herdarão a terra”, destacou.
Dom Roque presidiu o Cimi durante um período desafiador, marcado por intensos ataques aos direitos indígenas. Também agradeceu o acolhimento que recebeu de seu antecessor, Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu e presidente do Cimi por um total de 17 anos – “de quem todos e todas lembramos sempre com muito carinho e com quem tive muitos aprendizados”, afirmou.
O arcebispo de Porto Velho também aproveitou para “agradecer a Antônio Eduardo e Dona Mariza pelo dedicação e compromisso com que desempenharam à missão, nosso profundo agradecimento”. Aos seus sucessores, Dom Leonardo, Luis Ventura e Alcilene Bezerra, muita força e coragem para levar para frente a missão do Cimi. ,
“Com certeza a nossa missão junto aos povos originários tem um longo caminho pela frente; caminho este trilhado nas alegrias das conquistas, mas também, nas muitas lutas, retrocessos de direitos e violações”
“Com certeza a nossa missão junto aos povos originários tem um longo caminho pela frente; caminho este trilhado nas alegrias das conquistas, mas também, nas muitas lutas, retrocessos de direitos e violações”, avalia.
“A causa indígena é uma causa que nos coloca em situação sempre de conflito, porque a causa indígena é sistêmica e os projetos de vida dos povos são empecilhos para este modelo de desenvolvimento, pautado na exploração dos bens e das pessoas e na destruição da terra”, aponta dom Roque.
Os votos de confiança e apoio também foram feitos pelo agora ex-secretário executivo da entidade, Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, que esteve à frente do secretariado nacional entre 2019 e 2023.
“A Assembleia reafirma o compromisso para com a luta dos povos indígenas, dos pobres e do povo de Deus, também renovamos sua diretoria. Para o Cimi, é o momento mais importante, em que renovamos a nossa missão e o nosso compromisso para com a luta dos povos indígenas. A Dom Leonardo, Luis Ventura e Alcilene Bezerra, nossas considerações e, ao mesmo tempo, o nosso desejo de que façam esse compromisso da missão ter continuidade”, afirmou Antonio Eduardo.
“Temos muito a agradecer a todos os missionários, a todos os povos indígenas, aos nossos colaboradores e parceiros, por proporcionar essa nossa parceria, essa nossa aliança em prol dos povos indígenas. Renovamos essa possibilidade de continuar nossa caminhada, a nossa missão, que com certeza vai ser vitoriosa”, agradeceu.
A agora ex-vice presidente do Cimi, irmã Lúcia Gianesini, também manifestou gratidão por “todo o aprendizado, pela partilha, trocas e os caminhos trilhados juntos e juntas, no secretariado, nos territórios, nos regionais e nos espaços coletivos que nos renovam, fazem crescer e nos torna essa essa grande comunhão junto aos povos originários. Em especial, ao casal Antônio Eduardo e Mariza, nosso reconhecimento por toda doação, generosidade e entrega à luta dos povos e compromisso com a caminhada do Cimi. A Dom Roque, pela fidelidade à missão, pelo carinho, atenção e cuidado à grande família do Cimi, nosso terno e caloroso agradecimento”.
“A XXV Assembleia Geral do Cimi nos possibilitou momentos de profunda mística e espiritualidades em múltiplas expressões de comunhão entre missionários e missionárias e indígenas de vários povos. Síntese de uma caminhada de quatro anos, com percalços, sim, mas permeada de esperança, ternura e perdão, que nos fortaleceu nas lutas e nos sonhos na busca dos direitos originários e da justiça e paz como fontes do Bem Viver”, destacou.
“A Assembleia tem sido um momento de reafirmação irrestrita do nosso compromisso com os povos indígenas, de nossa determinação na defesa de seus direitos e de um país mais justo, mais plural”
Para a nova vice-presidente do Cimi, Alcilene Bezerra, a atuação da entidade é pautada pela ideia de um serviço aos povos originários. Ela avalia que o atual cenário político, ambiental, econômico e social traz desafios para a luta dos povos, agravados pela demora na demarcação dos territórios.
“Teremos muitos desafios pela frente, mas a nossa missão de estar junto aos povos indígenas continuará sempre firme” assegura a missionária do Regional Nordeste que agora assume a vice-presidência do Cimi.
A XXV Assembleia Geral do Cimi ocorreu um ano depois do Congresso dos 50 Anos da entidade, quando a instituição celebrou a memória de meio século de caminhada e também projetou a continuidade de sua trajetória junto aos povos originários.
“A Assembleia tem sido um momento de reafirmação irrestrita do nosso compromisso com os povos indígenas, de nossa determinação na defesa de seus direitos e de um país mais justo, mais plural”, analisa Luis Ventura, novo secretário executivo do Cimi.
Trinta e cinco anos depois de promulgada a Constituição Federal, este é um momento histórico crucial, avalia Ventura. Os direitos dos povos indígenas estão sendo duramente contestados, principalmente após a conclusão do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em que a tese do “marco temporal” foi derrotada.
“Uma vitória dos povos indígenas e de seus aliados que merece ser destacada, porque os interesses contrários são poderosos e estavam muito bem organizados e articulados. Entretanto, a própria decisão do Supremo traz elementos que preocupam aos povos indígenas e preocupam ao Cimi”, avalia Luis, ao mirar os desafios da conjuntura.
“É um momento de olhar para os próximos 50 anos, um momento que nos pede para estarmos unidos, sermos fortes e estarmos bem organizados. […] justamente para continuar recordando e construindo essa caminhada que começou há mais de cinco décadas”
“É um momento de olhar para os próximos 50 anos, um momento que nos pede para estarmos unidos, sermos fortes e estarmos bem organizados. É com esse objetivo que a Assembleia se configura como um momento de reafirmação e de reanimação das energias do Cimi, do compromisso junto aos povos indígenas, justamente para continuar recordando e construindo essa caminhada que começou há mais de cinco décadas”, completa o secretário executivo.
Ao comentar o atual cenário político, o novo presidente do Cimi ressaltou a importância do processo de luta, mobilização e articulação para se garantir vitórias como a obtida contra a tese do marco temporal – ainda que os desafios persistam.
“Quantas assembleias, quantos pensamentos, quantas lutas, quantas orações, quantos desejo de servir, quanto desejo de justiça. E, ao celebrarmos esta Assembleia, nós podemos celebrá-la como uma verdadeira ação de graças. Quanta luta, quanta tentativa para que o marco temporal não fosse um marco que pudesse marcar a vida dos povos indígenas”, destacou dom Leonardo Steiner.
“Superada essa fase, nós ainda teremos muita luta. Que o nosso querido Cimi possa sempre ser uma bandeira de esperança, mas também uma bandeira de paz”, confia o cardeal.
“O Cimi, diante deste contexto de dúvidas e inseguranças acerca da tese de repercussão geral, envolvendo indígenas e interesses de terceiros, não medirá esforços para desenvolver ações e serviços pela demarcação das terras, apoiando os povos em suas lutas cotidianas”
Documento final
Com o tema “Direitos originários, territórios livres: Justiça e paz como fontes do Bem Viver – conviver”, a XXV Assembleia Geral do Cimi teve a participação de cerca de 140 missionários e missionárias, lideranças indígenas, organizações parceiras, apoiadores, assessores, funcionários e convidados de diversas entidades e instituições aliadas.
Na tarde do último dia, a Assembleia aprovou seu documento final, no qual reafirma seu compromisso com os povos originários, estabelece suas prioridades para o próximo biênio e destaca os principais desafios do próximo período – inclusive em relação às incertezas geradas pela tese final do STF no caso de repercussão geral.
“O Conselho Indigenista Missionário, diante deste contexto de dúvidas e inseguranças acerca da tese de repercussão geral, envolvendo indígenas e interesses de terceiros, não medirá esforços para desenvolver ações e serviços pela demarcação das terras, apoiando os povos em suas lutas cotidianas”, afirma o documento.
Leia na íntegra:
DOCUMENTO FINAL DA XXV ASSEMBLEIA GERAL DO CIMI
Com o tema “Direitos Originários, Territórios Livres, Justiça e Paz como fontes do Bem Viver e Conviver”, realizou-se a XXV Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Luziânia (GO), nos dias 27 a 30 de setembro de 2023, no Centro de Formação Vicente Cañas.
As assembleias do Cimi constituem-se em espaços e momentos de encontros, reencontros, memórias, reflexões, místicas e celebrações das vidas compartilhadas com os povos indígenas. Nos nutrimos das esperanças que nas comunidades são plantadas, germinadas, brotadas, cultivadas, florescidas até tornarem-se alimentos e, novamente, sementes de uma Terra Sem Mal.
As missionárias, missionários – religiosas e religiosos, leigos e leigas – lideranças indígenas, convidadas e convidados de entidades irmãs se uniram em debates, estudos e análises acerca das realidades que nos rodeiam e dos desafios enfrentados no cotidiano das lutas e resistências pela garantia dos direitos fundamentais à vida, à terra, a uma água sempre boa e saudável e à justiça plena para todas e todos.
No que se refere à nossa ação missionária, definimos prioridades para o biênio 2024 e 2025. São elas:
a. Povos indígenas em contexto urbano e políticas de identidade;
b. Terra, território e direito humano à água;
c. Defesa da Constituição Federal de 1988 e da natureza como sujeito de direito.
A XXV Assembleia Geral assumiu, em sua totalidade, as propostas de prioridades apresentadas pelos representantes indígenas. São elas:
1. No campo da Formação:
1.1. Promoção de encontro de pajés, saberes tradicionais, espirituais, ancestrais e parteiras;
1.2. Formação de lideranças sobre políticas públicas, agroflorestas e enfrentamento à problemática do álcool e das drogas;
2. Promoção de encontros que possibilitem o intercâmbio cultural entre comunidades indígenas;
3. Fortalecimento e reconhecimento de comunidades em contextos urbanos, possibilitando intercâmbio dessas comunidades com seus territórios originários.
Em relação aos direitos indígenas, acompanhamos, com atenção, a finalização do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário de Repercussão Geral 1.017.365, através do qual se discutia a tese do marco temporal e os direitos originários dos povos indígenas. O resultado do julgamento nos deu alívio, pela rejeição à tese genocida do marco temporal, reconhecendo os direitos constitucionais dos povos e pondo fim, com isso, a esse debate que causou tantas violências, sofrimentos e angústias.
Preocupa-nos, no entanto, o fato de o STF ter inserido no núcleo de sua tese jurídica a previsão do pagamento de indenizações aos ocupantes de áreas indígenas, equivalentes aos valores monetários pela terra nua. De acordo com a tese, as indenizações deverão ser pagas previamente e, diante disso, corre-se o risco de não haver a desintrusão das terras indígenas em eventual mora ou demora dos pagamentos indenizatórios.
A decisão do STF consagra os direitos dos povos indígenas, mas, ao mesmo tempo, impõe obstáculos: se não houver previsão orçamentária – em âmbito federal – para o custeio das despesas indenizatórias, criar-se-ão situações de conflitos ainda mais tensos com invasores, posseiros, ocupantes ou possuidores de títulos considerados de boa-fé.
O Conselho Indigenista Missionário, diante deste contexto de dúvidas e inseguranças acerca da tese de repercussão geral, envolvendo indígenas e interesses de terceiros, não medirá esforços para desenvolver ações e serviços pela demarcação das terras, apoiando os povos em suas lutas cotidianas tendo em vista a consolidação desse direito fundamental, bem como naqueles casos em que ocorra a necessidade de resolução de conflitos.
No âmbito da política institucional, vivemos um período de graves e profundas ameaças aos territórios – especialmente no Poder Legislativo, onde, recentemente, foi aprovado o Projeto de Lei (PL) 2903/2023. Bancadas parlamentares, inclusive da chamada base aliada, vêm criando obstáculos legislativos à aplicação da Constituição Federal em relação aos direitos indígenas e quilombolas.
Os povos originários, as comunidades tradicionais, seus aliados e importantes parcelas da sociedade que, em sua maioria, manifestam-se favoráveis às demarcações de terras e contra a exploração garimpeira e madeireira precisam enfrentar política e juridicamente esses setores. É inadmissível que deputados e senadores, uma minoria ligada a um setor poderoso do capital, permaneçam agindo contra e acima da lei para benefício próprio ou de uma casta de especuladores dos recursos ambientais, hídricos e minerais.
O Cimi, como faz ao longo dos 51 anos de atuação, manterá sua missão profética de denunciar as violências contra as vidas, corpos, culturas e territórios. Se empenhará, no âmbito de seus Regionais, Diretoria e Secretariado Nacional, no acompanhamento das lutas pela terra, por políticas públicas diferenciadas, atuando também na formação jurídica – incluindo os desdobramentos da tese de repercussão geral, definida pela Suprema Corte, acerca dos direitos originários dos povos.
O Cimi, em sua XXV Assembleia Geral, reafirma o compromisso profético, militante e missionário em defesa da vida em plenitude. Reafirma, ainda, a opção radical de caminhar ao lado dos povos indígenas, denunciar todas as formas de opressão, violência e racismo, com vistas à consolidação dos territórios livres e da afirmação da justiça e paz como fontes do Bem Viver e conviver.
Lembramos e fizemos memória de Marçal de Souza Guarani – de sua coragem e luta pela terra, assassinado há 40 anos. Recordemos Dom Pedro Casaldáliga, profeta das causas dos pequenos e esquecidos, que através de palavras, gestos, testemunhos, convivência, poemas, bênçãos e orações nos ensinou que precisamos “ser o que se é, falar o que se crê, crer no que se prega, viver o que se proclama até as últimas consequências”.
Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia (GO),
30 de setembro de 2023
XXV Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário – Cimi